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Delegada e especialista em lavagem de dinheiro: quem é a primeira mulher eleita prefeita em Santana do Livramento

dez 13, 2020
Com 40 anos de idade e 10 de Polícia Civil, Ana Tarouco se elegeu prefeita de Santana do Livramento, na Fronteira Oeste Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Consagrada nas urnas por 11.712 eleitores, Ana Tarouco vai trocar as algemas pela caneta e assume a gestão da cidade em 1º de janeiro

Era véspera de Páscoa e a delegada Ana Tarouco decidiu aproveitar a manhã de sábado para passear pelo centro de Restinga Seca, município de 15 mil habitantes na região central do Estado, quando recebeu um telefonema: a lotérica havia sido assaltada. Na fuga, os bandidos invadiram uma casa, dando início a um tiroteio. Quando os primeiros policiais entraram, Ana pressentiu que os ladrões fugiriam pelos fundos. Ao correr para interceptá-los, percebeu que usava scarpin de salto alto. Jogou os sapatos longe e, descalça, correu em volta da quadra, surpreendendo o bando. Horas mais tarde, ao lavrar o flagrante na delegacia, sentiu uma dor na perna e só então viu que havia um prego cravado no pé direito.

Oito anos depois, Ana Luiza Moura Tarouco está prestes a deixar a arma e o distintivo de lado. Consagrada nas urnas por 11.712 eleitores de sua Santana do Livramento natal, vai trocar o epíteto de delegada pelo de prefeita. Na nova função, o scarpin não será incômodo, embora espere encontrar outros pregos pelo caminho.

— Não tenho ilusões. Teremos muito trabalho pela frente. Vejo muita desorganização e falta de controle com as contas do município — afirma a primeira mulher eleita para governar a cidade fronteiriça.

Aos 40 anos, os últimos 10 dedicados à Polícia Civil, ela jamais havia cogitado disputar eleições. Até então, sua trajetória era coroada por êxitos em outros tipos de busca por cargos públicos, com aprovações sucessivas em concursos para o Judiciário, o Departamento Penitenciário Nacional e, claro, para delegada. Tudo mudou em março, quando foi chamada para uma reunião com o empresário Rodolfo Folmer, então pré-candidato a prefeito pelo DEM.

Ana nasceu em Livramento em julho de 1980, mas cresceu em Dom Pedrito, para onde foi levada aos três meses pela mãe adotiva, uma protética solteira que desejava muito ter uma filha. Avisada pelo irmão de que na cidade vizinha uma menina subnutrida estava hospitalizada e depois seria encaminhada a um abrigo, Eni Tarouco rumou para a fronteira e logo providenciou a burocracia da adoção.

Elas moraram juntas até os 18 anos, quando Ana partiu para Santa Maria, onde estudaria para o vestibular. Passou para Direito na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e no concurso para assistente judiciária. Já formada, trabalhava em Canoas, quando foi chamada para ser agente penitenciária federal em Catanduvas, no Paraná.

Responsável pela segurança interna das celas de um presídio considerado inexpugnável, lidava com alguns dos mais perigosos bandidos do país, como os traficantes Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP e Elias Maluco. Voltou ao RS em 2010, já como delegada. Sua primeira lotação foi em Restinga Seca, onde liderou algumas das maiores operações da história da cidade, chegando a colocar mais de cem policiais nas ruas.

— Teve um dia que fizemos dezenas de prisões, até mesmo no prédio em que eu morava. Quando saí na frente da delegacia, tinha gente sentada em cadeira de praia para olhar quem havia sido preso — lembra.

Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Convidada pela SWAT, Ana Tarouco fez três cursos de formação policial nos Estados Unidos, inclusive de tiro de precisãoArquivo pessoal / Arquivo pessoal

Ana atuou ainda em Rosário do Sul, onde enfrentou traficantes que atearam fogo em viaturas da polícia, e, em Agudo, quando prendeu o assassino da jovem Daniela Ferreira, cujo corpo jamais foi localizado. Em Cidreira, solucionou a maior chacina do Estado até então, em que seis jovens foram mortos com 40 tiros. Pouco depois, foi convidada pela SWAT para curso de formação policial nos Estados Unidos, um aprimoramento internacional que se repetiria outras duas vezes, uma delas como instrutora.

O ponto alto da carreira se deu em Livramento, para onde foi transferida em 2015. Liderando um contingente de 103 agentes, Ana não se limitou a gerir a burocracia policial. Prendeu traficantes de bebês, um pedófilo que atuava há 15 anos e foi atropelada por um traficante, no episódio que lhe valeu o apelido de Mulher-Elástica.  A frente da operação Deu Zebra, desbaratou um esquema de exploração de apostas ilegais que movimentava R$ 521 milhões em 14 municípios. A investigação lhe valeu a medalha de Mérito em Investigação Criminal e cristalizou a sensação de que seu período na cidade estava chegando ao fim.

Casada e sem filhos, a delegada já havia pedido transferência para a Serra quando se reuniu com Rodolfo Folmer, em março. Após cinco anos chefiando a Delegacia Regional, buscava um posto que desafiasse suas ambições profissionais. A pandemia e a falta de vagas na região atrasou os planos e ela deixou o encontro disposta a aceitar o convite para ser vice do empresário.

A notícia logo se espalhou. Foram tantos os convites para entrevistas e compromissos políticos que o DEM deparou com a necessidade de inverter a chapa: Ana seria a pré-candidata. A decisão foi sacramentada pouco depois. Durante reunião entre os partidos para decidir quem iria liderar a coligação, Ana pediu a palavra e, com o faro de investigadora, desvendou o principal anseio do eleitor santanense:

— Talvez a gente não esteja se dando conta, mas a grande demanda da eleição quem está criando é o Ico (Charopen, do PDT, atual prefeito e duas vezes afastado do cargo pela Justiça por suspeita de corrupção).

A demanda é por ética, honestidade. E só o DEM tem uma delegada.

Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Ana Tarouco (de verde, na foto) fez campanha com uma equipe de 35 pessoas e enfrentou políticos tradicionais de LivramentoArquivo pessoal / Arquivo pessoal

Poucos meses depois, a delegada, instrutora de tiro e professora de combate à lavagem de dinheiro derrotaria nas urnas os seis adversários, entre eles o próprio Ico, a vice-prefeita Mari Machado (PSB) e o ex-prefeito Glauber Lima (PT). Terminada a eleição, nenhum deles a cumprimentou pela vitória.

Não foi uma campanha fácil. Com poucos recursos, equipe diminuta e nenhum traquejo político, às vezes ela ficava contando quantos daqueles eleitores que recém havia cumprimentado já havia prendido. Não foram poucos e um deles será seu opositor na Câmara de Vereadores. A partir de janeiro, sai de cena a algema, entra a caneta:

— Sei que é um novo mundo e que quebrei um ciclo de 30 anos da política local. Mas tenho fé que vai dar tudo certo.

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